terça-feira, 3 de dezembro de 2013

O que se perde com o adiamento da Parada?

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“A 5ª Parada do Orgulho LGBT de São Carlos será adiada para 9 de março de 2014” – foi esse o decidido na reunião do dia 13 de novembro da qual participaram Prefeitura, Conselho da Diversidade Sexual, civis e a ONG Visibilidade LGBT, organizadora do evento. A justificativa foi a iminência do evento diante da falta de estrutura que garantisse a grandiosidade do evento. Em nota, a organização apenas concorda e reitera dizendo que “ficou decidido que a Parada LGBT será transferida para o mês de março tendo em vista sua grandeza e a necessidade de manter este evento com estruturas que atendam sua proporção”.

Embora todas as outras atividades da Semana tenham ocorrido normalmente, o que de fato é bastante positivo, a decisão sobre o adiamento não pode passar despercebida. É, no mínimo, estranha a realização da Parada quatro meses após a Semana e exatamente um dia após o Dia Internacional da Mulher – 8 de março. Mas mais estranho ainda é o evento ficar refém do poder Executivo.

Versões não faltam para explicar tal decisão. Pode ter sido por pressão dos patrocinadores, interessados no sucesso midiático e financeiro do evento. Ou por pressão de setores que queiram fazer do evento um grande palanque para 2014 – o que infelizmente é comum – daí o suposto consenso do adiamento. Ou pode ter sido mais uma de nosso ilustríssimo maestro e sua inflexível batuta. Mas o fato é que a cidade perde com a não realização do evento.


A lição de Stonewall


Se resgatarmos um pouco a história do movimento LGBT veremos que nem sempre as coisas foram cercadas de alegria e festividade como são as Paradas atualmente. Em vários momentos, a luta se acirrou e chegou ao enfrentamento físico. Assim foi em Stonewall.

No dia 28 de julho de 1969, em Nova York, o bar Stonewall foi alvo de mais uma batida policial. O local era ponto de encontro de toda a população LGBT da época e a alegação das autoridades para a batida era a falta de licença para a comercialização de álcool. Nesse dia, como era de costume, todas as travestis foram presos pela polícia. Eram treze ao todo.

Mas ao contrário de outras batidas, dessa vez o restante dos frequentadores do bar decidiu não aceitar calado a prisão das 13 travestis. Sob vaias e garrafadas, os policiais foram acuados para dentro do próprio bar e obrigados a pedir reforços. Na mesma medida em que aumentava o número de policiais, endossava a população enfurecida. O clima foi esquentando e a violência foi generalizada. Barricadas foram montadas para resistir à repressão policial. A situação foi cada vez mais politizada e o confronto se arrastou durante três dias, quando o bar voltou a funcionar normalmente.

Depois do fato, a lição tirada pela população LGBT era clara: a sociedade não os aceitará de livre e espontânea vontade. Era preciso resistir. Era preciso exigir respeito e conquistar direitos.


Parada institucionalizada


Quase 45 anos após a batalha de Stonewall, as coisas mudaram um pouco. Muitos direitos foram conquistados, o que não quer dizer que não temos mais nada pelo que lutar. Os dados sobre violência contra a população LGBT ainda são alarmantes – e o Brasil é recordista nestas estatísticas macabras. O machismo e a heteronormatividade ainda permeiam a sociedade, e a diversidade sexual ainda é discriminada.

As paradas do Orgulho LGBT pelo Brasil a fora tem se tornado grandes festas e a tradição de luta tem se perdido. Claro que existem casos como os de Salvador, mas esses são a exceção da regra. Isso não quer dizer que somos contra a festividade. Quer dizer apenas que nunca perdemos de vista o real significado de se colocar milhares de pessoas nas ruas, embaixo de um bandeirão arco-íris: a luta por nossos direitos.

Com o adiamento da Parada do Orgulho LGBT, São Carlos não perde apenas o evento, mas perde também uma grande oportunidade de questionamento. Isso porque por de trás de toda a irreverência e alegria do evento, está, mesmo que discretamente, a crítica de uma sociedade machista e heteronormativa. De uma sociedade que ano após ano, bate recordes de assassinatos da população LGBT.

O subjugamento da Parada aos mandos e desmando do poder Executivo (que nesse ano já deu demonstrações mais do que suficientes de seu descaso e incompetência) é o esvaziamento do que deveria ser o seu fundamento. Lembremos Stonewall! O Movimento LGBT pede passagem e para isso não precisa pedir licença! Queira a prefeitura ou não. E se não nos levam a sério, que a Parada vire um grande protesto contra tamanho descaso. Se querem organizar grande festas e espetáculos, que deixem nas mãos dos produtores profissionais, que não dizem em nosso nome. Porque dos nossos direitos, não abrimos mão e pelas nossas próprias mãos serão conquistados.


Romerito Pontes
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